Lares e família em tribunal: a imobilização ilícita da idosa

Por Sónia Domingues , 18 de Janeiro de 2024 Notícias

“Não há vencedores nem vencidos nesta sentença ditada pelo tribunal, perdeu-se a vida de uma senhora, que não deveria ter tido esse fim. Cabe aos responsáveis refletir sobre a tragédia e tomar as medidas necessárias para que não volte a acontecer”, asseverou o Juiz, após a leitura da sentença na apertada sala do tribunal da comarca. Enquanto os filhos da vítima choravam, os responsáveis pelo lar de idosos da Santa Casa e as duas auxiliares, que se sentaram no banco dos réus, olhavam prostrados para o chão. Naquele dia, o tribunal ditou a sentença pela morte por asfixia da Dona Hortense, residente no lar de idosos da Santa Casa.

Neste artigo vamos apresentar uma história ficcionada, mas que apresenta um caso real de uma sentença de um tribunal português. No banco da acusação, o Ministério Público e os dois filhos da vítima, que se constituíram como assistentes. 



A saúde mental da idosa precipita a integração em lar


A idosa apresentou sintomas que a familia não negligenciou

Quando a viúva Hortense começou a ligar ao filho várias vezes ao dia, porque se tinha esquecido que já tinha falado com ele, Miguel começou a perceber que algo estava errado com a mãe. Decidiu falar com o irmão Duarte, a propósito dos esquecimentos constantes da mãe. Como moravam ambos em Lisboa e a mãe continuava a viver na pacata aldeia de Alfores do Fundo, estavam com algum receio. Decidiram que estava na altura da mãe fazer alguns exames e o diagnóstico rapidamente foi descoberto: Hortense sofria de Alzheimer. Ainda estava capaz, mas já apresentava alguns sintomas debilitantes da doença.



A família decidiu integrar a Dona Hortense num lar de idosos 

Após saberem do devastador diagnóstico, Miguel e Duarte começaram a questionar a segurança da mãe, sozinha em casa, enquanto estavam a centenas de quilómetros de distância. As incertezas dominavam as vidas dos irmãos, que se encontravam com um dilema entre mãos pois não tinham condições para colher satisfatoriamente a mãe. Ambos moravam em Lisboa e trabalhavam a tempo inteiro, não lhes dando margem de manobra para tomar conta da mãe permanentemente, como ela necessitava.  A mãe precisava de vigilância e cuidados diários que apenas um lar de idosos pode propiciar.


A escolha do lar ideal sem ajuda revelou-se bastante complexa 

Os irmãos iniciaram a busca por um lar de idosos numa cidade próxima da aldeia da mãe, porque não a queriam afastar das suas raízes. Mas não sabiam onde e como procurar um lar de idosos que representasse uma escolha segura. Aventuraram-se com empenho e boa vontade, mas a primeira opção revelou-se uma má escolha. Optaram por outro lar, mas após um mês, descobriram que não tinha licença de funcionamento, ao contrário do que lhes tinham prometido os responsáveis. Apostaram então no lar da Santa Casa, uma IPSS. Miguel e Duarte ficaram encantados com a simplicidade e conforto da instituição. 



Já no lar, os sintomas de Alzheimer da idosa agravaram-se


A idosa começou a ficar muito agitada durante a noite

Hortense era uma residente estimada no lar de idosos da Santa Casa. Acomodada há alguns anos na instituição, era sempre simpática e afável e até ajudava em pequenas tarefas que a mantinham ocupada e a sentir-se útil. Ajudava a colocar os pratos na mesa e colaborava na manutenção do jardim que rodeava a instituição. Mas à noite, os sintomas da doença de Alzheimer atormentavam-a. Ficava desnorteada e agitada, gritava e chamava as auxiliares toda a noite. Por duas vezes até, caiu da cama abaixo. 



O lar decidiu proteger a idosa para evitar mais acidentes 

Após uma avaliação realizada pela equipa de enfermagem do lar de idosos, foi tomada a decisão de imobilizar a Dona Hortense, ao longo da noite, para evitar mais quedas. No entanto, ela dormia numa cama normal, sem grades de proteção. O Gabinete de Fisioterapia e Reabilitação Psicomotora e os enfermeiros do lar não acharam necessário atribuírem-lhe uma cama com grades. A imobilização era feita como nos hospitais. Um lençol era dobrado na diagonal e atado como uma faixa, sob o peito, deixando-lhe os braços e as mãos livres.


Uma auxiliar imobiliza a idosa como lhe tinham ensinado

Naquele dia, Teresa entrou ao serviço no lar de idosos às 13H. Ia cumprir o turno da tarde e despegava às 21H, ainda a tempo de deitar os filhos de tenra idade. Estava encarregue do piso 1, junto com uma colega Judite, que ia cumprir dois turnos seguidos, até às 9H do dia seguinte. Ao final da tarde, depois de ter servido o jantar, Teresa foi imobilizar os residentes do lar de idosos que necessitavam desta barreira de segurança. A Dona Hortense foi a última, já passava das 19h30. Colocou-a de lado e imobilizou-a com o lençol, tal como as enfermeiras lhe tinham ensinado, deixando uma pequena folga para que a idosa estivesse confortável. Depois de uma última ronda aos idosos, Teresa foi embora para casa tranquila e despreocupada, e correu para os braços dos filhotes, que aguardavam o beijo de boas noites. Seria a última vez que alguém via com vida a Dona Hortense.



​Mais tarde, a idosa é encontrada morta por outra auxiliar

Quando ficou sozinha no serviço, pois à noite só ficava uma auxiliar no piso 1, Judite começou a preparar a ceia para os idosos. Naquela noite, ia servir umas bolachas e um chá que os idosos tanto gostavam. O quarto da idosa era o último e Judite apenas chegou cerca de uma hora depois de começar a servir as ceias, deparando-se com um cenário trágico. A Dona Hortense estava caída da cama, com o lençol a segurá-la pelo pescoço, e aparentava já sem vida. Judite, assustada e desolada, já não pôde fazer nada para salvar a querida idosa.



Ministério Público acusa as auxiliares no lar de homicídio da idosa


Auxiliares defendem-se por cumprir indicações superiores

O Ministério Público decidiu avançar com um processo contra as auxiliares Judite e Teresa, acusando-as de homicídio por negligência. As auxiliares disseram no tribunal que cumpriram com as funções que estavam contratadas. Tinham apenas seguido as indicações superiores, que mandavam mobilizar a idosa numa cama sem grades. Teresa jurou em tribunal que imobilizou a idosa conforme as enfermeiras lhe tinham ensinado e confirmou que fez uma última ronda antes de sair e que às 21H a Dona Hortense estava a dormir calmamente. Por sua vez, Judite disse ao tribunal que cumprira a rotina habitual, e que ninguém lhe tinha dado indicações para manter uma vigilância mais apertada aos idosos que estavam imobilizados.



O tribunal apurou que era ilícita a imobilização sem grades

No banco dos réus do tribunal também se sentava a Santa Casa, acusada de ter responsabilidade civil na morte da idosa. Segundo o que constava no contrato, o lar comprometia-se a providenciar “estadia, alimentação, assistência médica, de enfermagem, acompanhamento e vigilância”. O tribunal apurou ainda que era ilícita a imobilização da idosa numa cama sem grades e também havia sido violado o dever de vigilância, por falta de pessoal suficiente ou infra-estruturas adequadas, como um circuito de vídeo fechado, para monitorizar devidamente a Dona Hortense.



O lar não indicou o reforço da vigilância da idosa imobilizada

Naquela sala de tribunal, Miguel e Duarte, os filhos da Dona Hortense, encontravam-se frente a frente com os acusados. O tribunal decidiu que as auxiliares eram inocentes, apenas tinham cumprido ordens superiores. Por contrário, considerou a Santa Casa culpada por negligência e incumprimento do contrato. Segundo o tribunal, a decisão de imobilizar a idosa, sem uma cama de grades, tal como se faz no hospital, tornou possível a deslocação do lençol e a eventual queda da idosa.

O tribunal também atribuiu ao lar o crime de negligência, pela omissão dos deveres de cuidado, acompanhamento e vigilância a que o lar estava contratualmente obrigado. As consequências da negligência foram devastadoras, provocando a morte da idosa, o desgosto dos filhos, e o sofrimento causado pela lenta asfixia da Dona Hortense. O tribunal sentenciou a Santa Casa a pagar aos filhos uma indemnização de quase cem mil euros. Ainda recorreram, mas o acórdão manteve a sentença e apenas ditou uma ligeira descida da indemnização a pagar.



O lar é condenado a indemnizar a família por negligência e incumprimento do contrato 

A trágica morte da Dona Hortense resultou numa imobilização incorreta que levou à sua lenta asfixia, que podia ter sido evitada. A fraca supervisão também teve a sua quota parte da responsabilidade, uma vez que o lar não deu indicações à auxiliar no sentido de vigiar mais de perto os idosos que estavam imobilizados. Este infortúnio poderá servir de exemplo aos lares de idosos, que não devem optar por soluções mais fáceis e acessíveis, mesmo que sejam medidas temporárias. A utilização de material adequado é fundamental para garantir a segurança e bem-estar dos idosos. As famílias também devem estar atentas e devem saber o que observar na avaliação inicial dos lares. A qualidade e adequação dos materiais utilizados, assim como manter uma vigilância adequada à condição dos idosos é fundamental para que o lar cumpra com os requisitos de qualidade e segurança que hoje em dia se impõe.



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