A lei portuguesa e os idosos: O filho cuidador tem mais direitos?

Por Sónia Domingues , 22 de Novembro de 2022 Notícias


Quando um idoso começa a precisar de cuidados, habitualmente é um filho ou filha que assume a responsabilidade de lhe prestar o apoio necessário. E se, a princípio, pode parecer uma boa iniciativa, a médio e longo prazo, o cuidador pode ficar a viver num pesadelo, que envolve stress e cansaço, desentendimentos com o resto da família e decréscimo de poder de compra, sem que isso lhe valha mais direitos.


Se está a pensar tornar-se o principal cuidador do seu pai idoso, deve ler este artigo, antes de tomar uma decisão.



Se já assumiu essa responsabilidade e está a ponderar os seus direitos perante a lei, este artigo também lhe diz respeito, porque vamos elucidar sobre os preceitos da lei portuguesa e se esta diferencia o filho que cuida do filho que não cuida.


O filho cuidador não sai beneficiado


O cuidador terá a seu cargo o idoso, que vai ficando cada vez mais dependente, mas não tem mais direitos por isso. Terá de lidar com a pressão e cansaço inerentes a prestar assistência a uma pessoa idosa, terá de abdicar do seu tempo livre, muitas vezes até do trabalho, o que representa uma séria perda financeira.

Terá de despender dinheiro em alimentação especial, despesas de farmácia, despesas da casa e outros valores, muitas vezes incomportáveis, que são gastos mensalmente em benefício do idoso. Se o idoso não tiver grandes fontes de rendimento, isto poderá ser ainda mais incomportável para o filho cuidador, e poderá ter de recorrer aos seus fundos pessoais.



A lei não exige igualdade na prestação de cuidados


A lei portuguesa é clara mas muito limitada, quanto ao dever dos filhos para com os pais idosos. No entanto é completamente omissa quanto à contribuição de cada filho. O Código Civil Português declara que «pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência». A lei diz que «o dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir (...) de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar».

Numa situação em que apenas um membro presta os cuidados, enquanto outros colaboram pouco ou não colaboram de todo, a lei é omissa. Em lado algum é referido que a assistência prestada pelos filhos tem de ser repartida por todos, por igual. O filho não cooperante não será penalizado pelas autoridades. A lei apenas agirá caso o idoso necessite de assistência. Enquanto o idoso estiver bem cuidado e alimentado pelo filho cuidador, as autoridades não irão agir nem chamar à responsabilidade os outros filhos.



A lei não dá mais direitos de decisão ao cuidador 


Os restantes filhos podem não concordar com o principal cuidador e entrar em conflito, em diversas situações. O principal cuidador pode decidir que já não consegue mais assistir o familiar idoso, porque está já com dificuldades físicas e ou mentais para prestar a assistência devida, ou porque considera que, no lar de idosos, o pai terá todas as condições de segurança e bem-estar. Mas, nesta situação, pode deparar-se com uma surpresa desagradável: a recusa dos outros filhos em acomodar o idoso no lar, sem que este tenha mais direitos de decisão.



O filho cuidador não é compensado no futuro

Pode-se dirigir ao tribunal a invocar perdas ou prejuízos por ter dado assistência ao pai idoso. Mas o juíz vai considerar que estava a cumprir uma obrigação disposta na lei, e não irá compensar as perdas causadas, seja pelo abandono da profissão ou doenças causadas pela assistência ao idoso. Existem decisões de tribunais que corroboram esta orientação e que não se aplicam quaisquer direitos especiais ao filho cuidador.



Se o cuidador é parente por afinidade, não terá qualquer vantagem


Se for um parente por afinidade do idoso a que assiste, como uma nora, saiba que não vai ter direitos acrescidos por ser o cuidador principal. Não raras as vezes, acontece ser a nora a tomar conta da sogra ou sogro idoso, mas este encargo não lhe dará direitos nenhuns, mediante a lei portuguesa. A herança pertence aos herdeiros, descendentes diretos do familiar. Caso o idoso seja mentalmente são e queira deixar uma parte da herança à nora que cuida dele, este apenas poderá dispor de uma pequena parte.



A lei tem entraves à doação em vida ao filho cuidador 


Se o seu pai idoso lhe doar alguma coisa em vida, para compensar a assistência que lhe dá, outro herdeiro pode avançar para tribunal e disputar essa decisão.

A doação em vida tem de estar de acordo com a lei, que diz que o doador apenas pode disponibilizar uma determinada quota para doação, é a chamada quota disponível. Por exemplo, se o idoso tiver dois filhos e doar um imóvel a um deles, na divisão de bens este terá de devolver o imóvel à herança.



Só em casos excecionais o idoso pode deserdar um filho não cuidador


O idoso não pode deserdar um filho, mesmo que este não lhe preste a assistência devida. Se o idoso quiser deserdar um dos filhos, porque não o auxilia, ao invés do outro irmão, saiba que a lei protege os chamados herdeiros legitimários, ou seja, o cônjuge, os filhos e, também os ascendentes (pais, avós, bisavós). Mesmo não ajudando a cuidar do idoso, todos os herdeiros têm direito por igual à herança, excetuando em situações de crime.


Um filho só poderá ser deserdado em três situações: (1) em situação de crime doloso, com pena superior a seis meses contra o pai ou mãe ou contra o seu cônjuge, ascendente, descendente, adotante ou adotado; (2) em situação de condenação por «denúncia caluniosa» ou «falso testemunho» contra os mesmos referidos no ponto anterior e (3) por recusa em alimentar o autor da sucessão ou ao seu cônjuge. Neste último caso, se o idoso estiver bem alimentado por outro familiar, o tribunal pode considerar que não há lugar a perda de herança, porque pode alegar que o pai idoso não necessita dessa ajuda alimentar.



Pese bem a decisão de se tornar cuidador do seu pai idoso


Se está a pensar responsabilizar-se pelo seu familiar idoso, direto ou indireto, pense duas vezes e pondere se esta será a melhor solução para ambos, uma vez que não vai ter quaisquer direitos pelos transtornos à sua vida. Se já está nessa situação, então terá de ponderar se será viável continuar por este caminho ou se a melhor opção para ambos será optar por um lar de idosos de qualidade.


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