“A Avó Veio Trabalhar”: um projeto desenhado para valorizar a terceira idade

Por Susana Pedro , 14 de Maio de 2019 Idosos


«Vivemos numa sociedade em que as pessoas mais velhas deixam de ter valor só porque param de trabalhar e de contribuir para a comunidade. E essa ideia funciona como espelho na população mais envelhecida, que por o exterior não lhe atribuir importância deixa de se sentir útil e importante», refere a designer Susana António, cofundadora do projeto “A Avó Veio Trabalhar”, que visa o empoderamento da população mais idosa através do uso de ferramentas artísticas.



Tudo acontece numa pequena oficina de 60 m2, na Rua do Poço dos Negros, em Lisboa, onde, sob orientação de Susana e Ângelo, as Avós produzem - aproveitando os conhecimentos que têm em tricot, bordado e crochet, e ainda outras técnicas que aprenderam na oficina - objetos para casa, desde tapetes, almofadas, mantas bordados até grandes peças decorativas, e ainda peças de merchandising para diferentes tipos de clientes.

«Vendemos os produtos no nosso espaço/oficina e futuramente na loja online. Também fabricamos peças por encomenda para festivais, marcas e casamentos. Temos também os nossos produtos à venda na Suíça e na Bélgica», explica a criadora durante a entrevista dada ao Lares Online.

O projeto tem como missão promover o envelhecimento feliz, empoderando os idosos e levando-os a serem valorizados pela sociedade, usando as suas mestrias, histórias de vida, sabedoria e poder interventivo. Este é o motor do "A Avó Veio Trabalhar", diz Susana António, que, em 2014, juntamente com o psicólogo Ângelo Campota, se lançou nesta "aventura”.



Como nasceu o “A Avó Veio Trabalhar”?

Para mim, designer de formação, os conceitos design e envelhecimento começaram, desde cedo, a fazer sentido juntos.

Ainda estava a estudar na Faculdade de Belas-Artes, já lá vão 13 anos, quando o caminho começou a parecer viável. Mas ainda havia muito que palmilhar até chegar à altura de pôr a ideia em prática. Envolvi-me em programas e concursos, sempre com comunidades lisboetas, design e cultura pelo meio. Em 2011 cruzei-me com o Ângelo Campota, formado em psicologia pela Faculdade de Psicologia do Porto,e juntos resolvemos criar a Fermenta, a organização sem fins lucrativos por detrás da iniciativa “A Avó Veio Trabalhar”.



Como é que o projeto se sustenta?

Somos um negócio social. Todas as atividades que fazemos, sejam elas produção de coleções e produtos feitos à mão, workshops ou mesmo campanhas de publicidade possibilitam a sustentabilidade económica da iniciativa.

No início, eu e o Ângelo pensámos que seria bom que as nossas Avós tivessem uma contribuição financeira por aquilo que produzem, mas depressa entendemos que isso poderia causar confusão e enfraquecer o espírito comunitário que todos os dias trabalhamos para criar. Por exemplo, uma senhora de 65 anos produz mais do que outra de 91 anos. Se pagássemos igual às duas, correríamos o risco de causar aborrecimento à senhora de 65 anos, que não iria achar graça nenhuma a produzir mais e ter uma remuneração igual a outra que produziu metade.



Com quantos idosos trabalham?

São cerca de 70 “avós” que estão ligadas à iniciativa. Elas fazem o seu próprio horário. Algumas vêm apenas uma vez por semana, outras vêm mais vezes. São normalmente pessoas que não se reveem num modelo tão tradicional como um centro de dia, e que chegam até nós de diferentes formas. Em alguns casos, são os próprios familiares que lhes dão a conhecer o nosso projeto e que sugerem a sua participação no mesmo.



A integração da população idosa na sociedade é uma preocupação do “A Avó Veio Trabalhar”

Para nós é importante trabalharmos em uma lógica de objetivo e valorização, e por isso não fazemos passeios para entreter as “avós”. Mas usamos todas as oportunidades, sejam eles workshops ou ações que fazemos pelo país ou até internacionalmente para as nossas “avós” terem contacto com outras pessoas e também de se divertiremfora de portas e viverem experiências inesquecíveis!

Há dois anos, o Festival de Bons Sons, em Tomar, encomendou-nos o merchandising. Tivemos seis fins de semanas de trabalho para desenvolvermos os produtos com a comunidade local. As “avós” viajaram connosco, trabalharam na criação do merchandising e depois participaram no Festival. Também participámos numa feira de artesanato nos Açores, que nos pagou para irmos até lá e darmos alguns workshops, que foram dados pelas “avós”.




O  projeto tem uma componente artística forte por isso procuram manter-se próximos da comunidade de artistas

Temos parcerias com outros artistas e criadores. Um formato que usámos foram as “Residências ao Lanche”, onde contávamos durante um mês com a presença de um determinado artista que vinha lanchar e fazer experiências artísticas com as nossas “avós”, coisas tão diferenciadas como poesia, bordados, colagens, pintura, escultura têxtil, entre outras.



Os workshops são outra fonte de receita do projeto

Damos workshops de tricot, crochet, flores de papel, serigrafia, bordados sobre fotografia, entre outras técnicas. Temos como clientes câmaras municipais, instituições, centros culturais e outras organizações…

Temos ainda worshops dirigidos a turistas, que disponibilizamos através da plataforma do Airbnb. Esta tem sido uma ótima forma de promovermos a sociabilização das “avós” com pessoas de outras partes do mundo.



Na sua opinião, quais são as maiores dificuldades que os idosos enfrentam?

A verdade é que na nossa sociedade uma pessoa só tem valor enquanto trabalha e o trabalho está essencialmente ligado a um valor financeiro. No nosso projeto, acreditamos que o trabalho está também ligado a um valor social muito grande e é nisso que tentamos apostar junto da nossa comunidade. As nossas “avós” tendem a sentir-se melhor e a valorizarem-se mais porque estão a pôr em prática e a desenvolver as suas capacidades.

Por exemplo, um ancião numa comunidade indígena tem o seu valor enquanto guardião de uma grande sabedoria. O mesmo não acontece com o idoso na nossa sociedade.


A idade é um potencial em desenvolvimento | fonte Facebook do projeto



Como é que o vosso projeto trabalha essas dificuldades?

Através das atividades que realizamos, tentamos incutir nas “avós” que a idade é um potencial em desenvolvimento. Também trabalhamos a questão da identidade feminina, da valorização do corpo, fazemos isso com toda a identidade e marketing do projeto, que mostra um envelhecimento feliz e bonito.

Outra forma de promover a valorização das “avós” é dando-lhes “palco” para serem celebradas. Fizemos há pouco tempo uma parceria com a Padaria Portuguesa e, neste momento, há fotografias das avós espalhadas por todas as lojas desta cadeia, já que são elas que fazem a crítica gastronómica dos pratos quentes... Também participámos no evento Fashion Revolution, um movimento de promoção da moda sustentável, onde três “avós”especialistas em tratamento de roupa puderam explicar a uma audiência como cuidar de roupa de linho ou tirar uma nódoa de vinho.



​Qual o segredo atrás do sucesso do projeto “A Avó Veio Trabalhar”?

Achamos que a nossa maneira de trabalhar é simples. Existe uma governação partilhada, ou seja, não é um projeto meu e do Ângelo no qual as “avós” são as beneficiárias. As questões de governação a todos dizem respeito, o dinheiro que entra, o dinheiro que sai, os clientes que aceitamos, as iniciativas em que decidimos participar ou não, se a renda foi paga, etc. O que acontece é que acabamos por funcionar como uma grande família que funciona para lá do horário de trabalho, às vezes à noite, às vezes ao fim de semana. Existe um espírito de entreajuda entre os membros da comunidade. Diria que a grande aposta está nas relações que se estabelecem e no facto de as “avós” sentirem que são valorizadas e necessárias para a continuidade da iniciativa, e  também para as suas colegas “avós”. Se alguém ficar uns dias em casa, a sua falta é sentida e vai receber certamente um telefonema ou uma visita.



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