Lares e família em tribunal: Maus-tratos fatais em lar ilegal

Por Sónia Domingues , 12 de Junho de 2023 Notícias

Quando a Dona Maria Alice deu entrada no hospital, os médicos depararam-se com uma situação grave. A pobre idosa apresentava uma grave ferida de pressão, estava desidratada, desnutrida e ainda tinha uma infeção urinária. Duas semanas depois, Maria Alice faleceu já em casa da filha, que não a quis voltar a colocar no lar de idosos ilegal, a quem tinha confiado a saúde e segurança da sua mãe. Neste artigo, vamos fazer um relato de um caso real que foi julgado em 2021. As personagens são fictícias, mas os factos são reais.



A idosa deu entrada num lar de idosos ilegal


A filha e a cunhada escolheram o lar de idosos sem ponderar

Quando a dona Maria Alice começou a ficar mais debilitada pelos problemas de visão e mobilidade, a sua família decidiu procurar um lar de idosos, onde pudesse receber os cuidados necessários à sua saúde fragilizada.  A filha, Eduarda, e a nora, Armanda, resolveram ir falar com a Dona Rosa, proprietária de um lar de idosos, desconhecendo que este estava ilegal. Era a primeira vez que Eduarda e Armanda entravam num lar de idosos e por isso, nem sabiam o que devia ter ou não ter e se tinha as condições conforme a lei. A família não suspeitava nem por sombras que a mulher que tinham à sua frente, tivesse o desaforo de infligir maus-tratos aos idosos.



As visitas semanais eram controladas 

Ao longo de vários meses, Eduarda, a cunhada e o marido, visitavam a idosa aos sábados à tarde, quando tinham mais disponibilidade, mas tinham de marcar com antecedência. Segundo a proprietária, por causa das restrições da pandemia, não podia haver demasiadas pessoas ao mesmo tempo. Para Eduarda e Armanda, parecia justificar-se a marcação antecipada de visitas e o limite de tempo imposto.  A mãe, já acamada, parecia estar bem, apesar de cada vez mais fragilizada. Mas, aos seus 81 anos, acreditavam que eram coisas da idade e nada lhes fazia parecer que a idosa sofresse de maus-tratos. Mas a observação era apenas superficial. 



A idosa foi internada no hospital 


A dona do lar ilegal mentiu sobre as causas do internamento

Numa manhã de terça-feira, Eduarda recebeu um telefonema. Era a Dona Rosa a dizer que a Dona Maria Alice ia ao hospital naquela manhã, fazer uma T.A.C., um exame médico.  A idosa ficou dois dias no hospital e quando teve alta, a proprietária do lar disse para não a irem visitar, que ela precisava descansar. Contudo, dois dias depois voltou a ir para o hospital. Desta vez, a filha foi informada pela Dona Rosa que o estado de saúde da idosa tinha piorado, mas, a realidade era outra. Tal como o tribunal viria a provar, a Dona Maria Alice tinha dado entrada pela primeira vez no hospital, na segunda-feira, e diretamente para as urgências. A idosa tinha uma ferida de pressão que tinha surgido há dois ou três meses e que tinha vindo a piorar muito.



O relatório médico desvendou um cenário devastador

Quando entrou pela primeira vez no hospital, segundo os médicos, a idosa estava prostrada e tinha também a pele e mucosas pouco coradas e encontrava-se desidratada. Diziam ainda que a Dona Maria Alice estava em “deficiente estado geral e nutricional”.

Após dois dias teve alta, com indicação dos médicos para  mudar o penso de dois em dois dias, mas a pobre idosa voltou a piorar na sexta-feira.  Segundo descreveram no relatório médico, a Dona Maria Alice apresentava-se prostrada, tinha uma infeção urinária severa, e apresentava uma úlcera de pressão de categoria IV,  o penso estava em péssimas condições.



A idosa sucumbiu em casa da família

Internada para tratamento com antibiótico, teve alta depois de uma semana e já não regressou mais para o lar de idosos ilegal. A filha, a nora e a restante família, estavam estarrecidos e arrependidos por terem escolhido um lar de idosos ilegal sem ajuda especializada, sem possibilidsdes de serem guiados para uma escolha segura para cuidar da querida mãe. Ainda por cima acreditaram na proprietária quando esta lhes garantiu que se tratava de um lar de idosos legal. A Dona Maria Rosa já não recuperou mais, e mesmo em casa da filha, continuou a esmorecer, vindo a falecer 10 dias depois de ter tido alta.



A família procura justiça para a morte da idosa


A proprietária do lar de idosos ilegal justificou-se

A proprietária do lar de idosos ilegal disse que a idosa era bem tratada e que mudava, ela própria, os pensos da ferida de pressão e desculpou-se com a idade da senhora, que já era avançada. Outros pretextos foram dados para justificar o estado deplorável com que a Dona Maria Alice tinha dado entrada no hospital, mas a família avançou na mesma com uma queixa ao Ministério Público, para que as circunstâncias da morte da sua mãe fossem devidamente apuradas.



Ministério Público acusou a dona do lar de maus-tratos

O procurador do Ministério Público, ao ler os relatórios médicos que foram gerados após a admissão em urgência da dona Maria Alice, não teve qualquer dúvida em produzir a acusação contra a Dona Rosa. A proprietária do lar de idosos ilegal foi acusada de maus-tratos e o  procurador pediu ainda à Segurança Social para fazer a fiscalização do lar, e qual não foi a surpresa da família da idosa, quando os inspetores vieram a comprovar que não tinha entrado na Segurança Social qualquer pedido de licença para aquele lar.



No dia do julgamento esgrimiram-se argumentos


As testemunhas de acusação relataram o sucedido

No julgamento de primeira instância, o juiz ainda jovem e inexperiente, foi ouvindo as provas e os testemunhos da acusação e da defesa. Chamada  a depor, a filha Eduarda disse que nunca tinha reparado nada de estranho no lar, apesar das visitas serem controladas e da mãe estar cada vez mais magra. Já a enfermeira que fez o penso à idosa depois do segundo internamento, já em casa da filha, não poupou palavras para descrever aquilo que, segundo ela, consistia claramente em maus-tratos e negligência. A enfermeira Júlia descreveu os diferentes graus de uma ferida de pressão, em que o grau IV é o mais  grave, é quando a úlcera já apresenta falta de carne e exposição do osso. A enfermeira Júlia disse em tribunal que a Dona Maria Alice apresentava um quadro clínico muito grave e a ferida não era compatível com bons cuidados de saúde. 

O estado em que se encontrava a úlcera era, para a experiente enfermeira, “vergonhoso”. 



A defesa da Dona Rosa assentava na idade avançada da idosa

 Chamada a testemunhar em tribunal, Dona Rosa defendeu-se como pôde. Disse que era ela a fazer os pensos, mas que apenas teve a certeza que se tratava de uma úlcera de pressão no dia em que levou a idosa pela primeira vez ao hospital. Desculpou-se pela mentira que disse à filha, por não querer preocupar a família. Garantiu ainda em tribunal que, após a primeira alta hospitalar, trocou os pensos, tal como lhe disseram no hospital e que já tinha muita experiência nesta função. Dizia ela que não precisava de vir uma enfermeira para o fazer. Disse que a senhora se encontrava desnutrida e desidratada por causa do estado de saúde frágil e da idade avançada. Havia um médico e uma enfermeira, disse ela em tribunal, que vinham de vez em quando, mas não tinham qualquer vínculo profissional com o lar ilegal. Apesar do lar ser ilegal, a Dona Rosa garantiu que tinha boas condições, mas confessou que tinha pouco pessoal.



O tribunal não deu como provados os maus-tratos 

Para espanto geral dos presentes na sala do tribunal e à revelia do que estava escrito nos relatórios médicos, o jovem juiz não deu como provado que a idosa se encontrava desnutrida e prostrada. Para o juiz, não ficou provado que a Dona Rosa não tivesse providenciado os cuidados de saúde necessários, apesar do relato da enfermeira Júlia. Não achou que a idosa estivesse desnutrida devido à falta de uma alimentação adequada e acreditava que a Dona Rosa não agiu, sabendo que ia provocar danos físicos e psicológicos à idosa. O tribunal declarou a Dona Rosa inocente da acusação de maus-tratos.



O caso é levado ao Tribunal da Relação


Ministério Público decide recorrer da sentença

Inconformado com a sentença ditada pelo tribunal de primeira instância, o procurador do Ministério Público decidiu recorrer da decisão para o Tribunal da Relação. Referiu as incongruências que estavam na sentença e na credibilidade excessiva que foi dada à proprietária do lar de idosos ilegal, enquanto o juiz optou por votar ao desprezo as declarações assertivas de uma enfermeira experiente. Para o doutor Carlos, a sentença ditada pelo tribunal falhava em vários sentidos, e era totalmente inconsistente, ora dando como provas apuradas os relatórios médicos, ora referindo que não se conseguiu provar que a senhora estava desnutrida e desidratada. 



A leitura do acórdão que fez justiça à idosa

Após uma longa leitura que incluía os predicados legais do que constitui maus-tratos na lei, o acórdão do tribunal superior foi claro ao concluir que a Dona Rosa tinha cometido um crime de maus-tratos. O tribunal decidiu pela condenação por maus-tratos por ser a proprietária e em simultâneo a prestadora de cuidados aos idosos que acolheu, e que por “inação e desinteresse”, deixou de providenciar à Dona Maria Alice a alimentação e a assistência médica e de enfermagem adequadas. O acórdão  do Tribunal referia ainda que a proprietária do lar ilegal tinha provocado o agravamento de uma úlcera de pressão, até ter chegado ao nível IV, em que já se via o osso. O tribunal superior condenou-a a dois anos e seis meses de prisão por maus-tratos, com suspensão da pena por três anos e seis meses.


Um casa que desperta consciência para os perigos de um lar de idosos ilegal.


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Esta história ficcionada que relata um julgamento verídico recente de um tribunal português, sobre um caso de maus-tratos, apresenta uma série de alertas a que se deve estar atento na escolha de um  lar de idosos. Desde logo, o lar de idosos deve estar legal, ter o alvará que comprova que o Estado considerou que o lar tem todas as condições para assegurar uma qualidade de vida digna ao idoso. Mas, a licença apenas não basta. Para garantir uma escolha segura, o melhor será recorrer ao apoio especializado da Lares Online. A rede de qualidade da Lares Online promove apenas lares com licença e com comprovada qualidade dos serviços. 


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